segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Olhos – Janela da Alma, Espelho do Mundo


"Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? (...) É janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento (...) Ó admirável necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo? (...) O espírito do pintor deve fazer-se semelhante a um espelho que adota a cor do que se olha e se enche de tantas imagens quantas coisas tiver diante de si." (Leonardo da Vinci)

A respeito dos conflitos do ver e não ver, “Janela da Alma” (2001), um documentário de João Jardim e Walter Carvalho, apresenta-nos um belíssimo e rico trabalho sobre a visão.
A tese central é a de que a visão é construção cultural e não um dado da natureza, apenas fisiológico. Os autores recorreram à filosofia, à medicina, à biologia, à música, à literatura para investigar o que é a visão. Entrevistaram artistas, intelectuais e pessoas “comuns”, com graus de acuidade visual que vão da miopia à cegueira, os quais discorreram sobre ver, não ver e ver de maneira única, pessoal.
A relação de entrevistados é bem ampla e as abordagens e experiências relatadas são bastante diversificadas, pertinentes e interessantes. Acompanhando os relatos, segue-se um jogo de imagens que são focadas, desfocadas e refocadas, alterando a percepção do espectador. Não se desperdiça nada: fala, imagem ou silêncio.
Ao apresentar depoimentos de diversas pessoas com diferentes graus de deficiência visual, o filme mostra que é possível enxergar mesmo sem ver. Assim como existe a possibilidade de, num mundo poluído por imagens, não enxergar o que se vê a todo instante.
Entre os entrevistados, destacam-se os depoimentos do músico Hermeto Pascoal, cujos olhos não fixam, o filósofo e fotógrafo esloveno (e cego) Eugen Bavcar, esbanjando sensibilidade e qualidade em suas fotografias, ensinando que existe “o olhar que se constrói no mundo das trevas, no mundo das corujas, da sabedoria” e que “graças ao verbo, temos as imagens.” Win Wenders nos fala de nossa necessidade de história, de narrativas com fechamento, da possibilidade de inserir os sonhos, de imaginar entre linhas, processo prejudicado atualmente pelo excesso e velocidade de imagens. Arnaldo Godoy, um vereador de Belo Horizonte, conta com ótimo humor como é a vida sem ver. Seguem-se outros relatos igualmente interessantes, como da atriz alemã Hanna Schygulla, do poeta Manoel de Barros, da cineasta Agnes Varda, do neurologista e antropólogo Oliver Sacks, do escritor José Saramago, todos contando de forma bem autêntica como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo.
José Saramago nos fala que somos todos cegos, cegos da razão, cegos da sensibilidade, vivendo num mundo de desigualdades. E mais, que em nenhuma outra época existiu tão intensamente como hoje a “caverna” de Platão, um mundo de superficialidade onde as imagens substituem a realidade e o excesso de informações produz a ignorância.

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